Visita a um Assentamento do Movimento Sem-Terra (MST) de São Miguel do Oeste (SC)

14/03/2013 20:46

            Dia 29 de Setembro, a turma de Psicologia do sexto período do campus de São Lourenço do Oeste juntamente com a turma de Psicologia, também do sexto período, de Chapecó, da Universidade Comunitária da Região de Chapecó (UNOCHAPECÓ), esteve fazendo uma visita a um assentamento do Movimento Sem-Terra (MST), em São Miguel do Oeste, Santa Catarina, onde foi entrevistado um membro principal do movimento, S.

 

            Em entrevista e durante o momento em que estivemos em contato com o entrevistado, obtivemos diversas informações a respeito do movimento, a forma de organização e a história do assentamento. Inicialmente, os primeiros assentamentos deram início com a Igreja Católica, impulsionando-os. A ocupação das terras foi realizada na região da cidade de Abelardo Luz, Santa Catarina, à região de Bandeirantes, entre Argentina e São Miguel do Oeste, no ano de 1985, com uma quantidade de 12 Hectares de terra a cada família do movimento.

 

            As primeiras atividades, em função da necessidade de uma renda mensal e que dê possibilidades de sobrevivência, e que permanecem até hoje, são a produção de leite, a produção de suínos e a agroindústria, de forma a produzir, industrializar e comercializar produtos. Conforme fala S., no início tem sido complicado, principalmente devido à concorrência econômica, onde “a sobrevivência consistia as meias”.

 

            Ainda segundo S., ele busca distinguir entre invasão e assentamento, conceituando o acampamento como uma atividade mais fechada, isolada e desrespeitosa, realizada em um espaço em que já existem pessoas habitando; enquanto o assentamento, uma atividade mais coletiva, de ajuda mútua e/ou governamental, acompanhado de um planejamento de vida, e em um espaço de terra em que não há ocupação.

 

            Nesta perspectiva, S. afirma que, o Movimento Sem-Terra da região de Abelardo Luz à região de Bandeirantes, tem hoje “uma conjuntura a nível nacional”, porém há grandes dificuldades de fazer com que os jovens permaneçam junto ao movimento e à família, pelo fato de que muitos deles preferem sair de casa e ir para os centros urbanos e cidades maiores, buscando uma independência familiar. Existem filhos de assentados ou acampados que chegaram a se tornar advogados.

 

            Além disso, para tudo o que se busca realizar, há um planejamento anterior, em coletivo, onde todos trabalham em conjunto. Quando há a necessidade de algo do trabalho público, é conversado com o município o qual eles pertencem, e caso este não o atenda conforme previsto e na data proposta, é realizada uma reivindicação pública ou, até mesmo, uma ocupação. Também, costuma-se, aos finais de ano, realizar-se uma assembleia entre os integrantes do Movimento Sem-Terra, cujo lucro obtido anualmente que sobra, é dividido entre seus membros.

 

            S. fala que “a mídia é um grande estorvo. [...] Fazendo trabalho de distorção”, pois publicamente o Movimento Sem-Terra é mal-visto na sociedade em geral, por diversos fatores, muitos dos quais não passam de estereótipos e deturpações criadas ao redor do mesmo. Ao indagar S. sobre a Reforma Agrária, ele prossegue falando que a Reforma Agrária “trata-se, não somente de Reforma Agrária, no sentido de ocupação de terra, mas também em educação, saúde, etc”.

 

            No entanto, a educação, generalizando, dentro dos assentamentos se constitui e é organizada pelos líderes de assentamento a partir de professores próprios do movimento, sem muita formação ou graduação precisa, ou então por meio de professores especializados, que acabam por vir de outros acampamentos ou assentamentos do Movimento Sem-Terra.

 

            Atualmente, a agroindústria, que é chamada de Terra Viva da Cooperoeste, constitui-se de 24 famílias, que moram em agrovilas, de 12 funcionários contratados e cinco associados, dos quais alguns são filhos de assentados. Esta agroindústria tem se destacado em primeiro lugar de arrecadação de impostos, gerando emprego e movimentação econômica de São Miguel do Oeste e região, recolhendo leite de mais de 13 mil famílias, de Santa Catarina e Paraná.

 

            A Cooperoeste é uma cooperativa do Movimento Sem-Terra, que atua juntamente com um conjunto organizado de agroindústrias, criadas pelo próprio movimento, havendo duas filiais de Abelardo Luz (o Mercado & Agropecuária e o Posto de Refrigeramento), outras duas filiais em Nova Laranjeira – Paraná (o Posto de Refrigeramento e a Agropecuária Terra Viva), e outras duas filiais em São Miguel do Oeste (Agropecuária Cooperoeste) e em São José do Cedro (a Indústria de Conserva).

 

            Contanto, o trabalho operário da agroindústria Cooperoeste consiste em 6 horas diárias, consistindo em 36 horas semanais, com uma parada diária de intervalo de 15 minutos, onde cada funcionário faz seu momento de lanche. O funcionário pode trazer de casa ou comprar em um espaço de venda, do local da indústria. Também, há semanas dedicadas à prevenção de acidentes, à odontologia e demais atividades afins, com planejamento para implantação do ensino de culinária e de estética, nas próprias dependências da empresa.

 

            Na agroindústria, não há psicóloga. Grande parte das atividades desempenhadas é de acordo com as condições necessárias para prevenir de possíveis riscos à saúde do trabalhador, contando com uma equipe de funcionários da empresa em que recebem treinamento para passar orientações e indicações aos demais trabalhadores, embora também ocorram acidentes de trabalho, principalmente de cortes nos dedos, mão, batida de costas e/ou problemas de coluna.

 

            A maior parte dos trabalhadores da empresa ou agroindústria constitui-se de mulheres, geralmente membros do próprio movimento.  A cooperativa, também, busca dar assistência veterinária aos produtores que fazem parte. O transporte de deslocamento até a empresa, ida e volta, para os funcionários é gratuito, e àqueles que vêm de carro próprio a empresa contribui com uma ajuda em relação ao custo da gasolina. Ademais, os objetivos da agroindústria estão voltados à união do Movimento Sem-Terra e à coletividade.

 


Aspectos Teóricos

 

            O Movimento Sem-Terra (MST) caracteriza-se como movimento social por estar voltado à luta de questões e fenômenos sociais, históricos, políticos e econômicos, com o objetivo de defender os interesses coletivos de um grupo de pessoas cujo seu caráter é minoritário e, até mesmo, excluído da sociedade civil, ou com pouco espaço de expressão social.  Interesses esses, neste caso, são a Reforma Agrária no Brasil e a divisão justa de direito à propriedade de terra, bem como de grandes latifundiários que, de alguma forma, não são ocupadas.

 

            O surgimento do Movimento Sem-Terra, segundo Leite e Dimenstein (2010) pode ser contextualizado em três pontos principais: o primeiro, relativo às transformações de modernização da agricultura, promovidas pelo capitalismo na década de 1970; o segundo, refere-se ao desenvolvimento de uma prática reflexiva, encabeçada pela Comissão Pastoral da Terra, sobre as condições sociais e a possibilidade de trabalhadores ‘vítimas da modernização’ se organizarem social e financeiramente; e o terceiro, em relação à abertura política, assumida após a ditadura militar.

 

           De acordo como fala Silva (2004), o Movimento Sem-Terra é um movimento que atua em rede, a qual têm se expandido por quase todas as regiões do Brasil, onde com exceção dos estados da Amazônia, Acre e Amapá, que o movimento não há representações. Porém, em maior parte das regiões, o Movimento Sem-Terra está vinculado com instituições, outros movimentos, partidos políticos, Igrejas, organizações não-governamentais e entidades internacionais.

 

            Silva (2004), teoriza que com o avanço do desenvolvimento do Movimento Sem-Terra já é altamente visíveis diversas reivindicações de ampliação e integração do movimento com elementos e fenômenos que vão além dos interesses próprios da luta do movimento em si, incluindo questões como por exemplo, a agroecologia, biodiversidade, saúde, educação, desenvolvimento sustentável, luta em relação à causas ambientais, etc. Ou seja, há toda uma preocupação, não somente com a Reforma Agrária e a propriedade, mas também com condições apropriadas de vida e sustentabilidade.

 

            Assim, o Movimento Sem-Terra (MST) tem criado uma identidade coletiva, sem sombras de dúvidas, devido a união do movimento com seus membros, de modo solidário e a partir dos referenciais de valores culturais, sociais e políticos, em prol de interesses coletivos e comuns, lutando pelos direitos sociais entre todos os seus integrantes, bem como em benefício de uma sociedade socialista, sustentável e baseada nos valores de ajuda mútua enquanto agrupamento social organizado.

 

 

Considerações Finais

 

            Ressalta-se que a visita ao Movimento Sem-Terra (MST) têm nos proporcionado uma expansão da concepção que detínhamos sobre o mesmo. Deve-se lembrar, sobretudo, a importância que o Movimento Sem-Terra tem na sociedade – não somente na geração de emprego e lucro financeiro, mas principalmente na chance em que seus membros obtiveram de se inserir socialmente através da antiga proposta da Reforma Agrária e no trabalho em equipe conjunta – e, principalmente, a forma sustentável de sobrevivência encontrada e a maneira organizada de convivência social que o movimento se pauta e busca desenvolver dentro deste enquanto grupo social. Neste sentido, a visita ao MST nos possibilitou o desenvolvimento de outra compreensão acerca do movimento e que, com certeza, irá contribuir em nosso desenvolvimento acadêmico em Psicologia.