Resenha de "Por uma Intervenção Ética para os Direitos Humanos"

19/06/2013 22:10

COIMBRA, Cecília M. B; LOBO, Lilia F; NASCIMENTO, Maria L. do. Por uma Intervenção Ética para os Direitos Humanos. In: Psicologia Clínica. Rio de Janeiro: v. 20, n. 2, 2008, p. 89-102.

 

            A Declaração Universal dos Direitos Humanos, instaurada em 1948, surge como uma conquista moderna a partir da barbárie praticada nas idades antiga e medieval, como resultado evolutivo em relação ao progresso do ser humano. Foucault destaca que o processo histórico da humanidade é concebido como uma evolução da civilização que levaria a um futuro próximo de “perfeição”; em contraposição à barbárie, vista pela civilização de nosso tempo como um corpo estranho ao desenvolvimento civilizatório, uma oposição ou dicotomia.

            Foucault também pontua que, é preciso “fazer viver e deixar morrer”, compreendendo que é necessário que alguns morram para que outros vivam. Pois, diante das violências, genocídios, extermínios, doenças negligenciadas e torturas, presentes na atualidade, torna-se “preciso” jogar estas práticas horrorizantes para fora deste momento histórico e atribuir ao passado “bárbaro”. Nesta perspectiva, é preciso lembrar que nem toda tecnologia nos traz o bem-estar, a qualidade de vida e a autoestima a qual, esta última, também frequentemente está a serviço do biopoder racista que afirma “servir a vida”.

            Com a Revolução Francesa, seus ideais – igualdade, liberdade e fraternidade – tornam-se os fundamentos dos direitos humanos e, além disso, passaram a serem vistos como direitos inalienáveis da essência humana. Depois do surgimento da grande declaração dos direitos humanos, em 1789, até a recente declaração, de 1948, procedeu-se pela Segunda Grande Guerra Mundial onde foi criada a Organização das Nações Unidas, tornando-se um marco nos direitos humanos, em que estes, na real, eram reservados e garantidos somente pelas elites da sociedade. Por exemplo, o direito à propriedade era garantido tão-somente para quem possuía.

            Deleuze comente que, os direitos humanos desde sua origem serviu para levar as classes minoritárias à ilusão de que participam da sociedade e que as classes elitistas se preocupam somente com o bem-estar individual, onde o humanismo se infiltrou dentro do capitalismo – ou vice-versa – apresentando afirmações como no Artigo 1º da Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948: “Todos os homens nascem livres e iguais em dignidade e direitos”. No entanto, me pergunto: Será mesmo que todos os homens nascem livres e iguais em dignidade e direitos, em uma sociedade capitalista cujo sistema vigente acorrenta as pessoas à participação cega, independentemente de desejar ou não, como meras reprodutoras?

            Sempre estiveram de fora dos direitos humanos e da participação cidadã as classes minoritárias e marginalizadas da sociedade, como se estes sujeitos fossem meros miseráveis, desviantes, deficientes, enfim, os sujeitos que lhe foram negados os direitos à vida e as suas condições dignas e excluídos do sistema vigente estabelecido. Pois, se todos os sujeitos fossem iguais em direitos, cujo excerto é explanado em constituição, não haveria motivo para a existência das desigualdades humanas em que se refere aos seus direitos e liberdade. Percebe-se que a Constituição Universal dos Direitos Humanos é um tanto contraditória em suas afirmações.

            Em diferentes momentos históricos, produzem-se faces diferentes acerca dos direitos humanos, portanto, objetos diferentes e, concomitantemente, entendimentos diferentes do que são direitos e o que é o ser humano, os quais resultam de construções de práticas socioculturais em determinado período histórico. Poderíamos pensar os direitos humanos não como elementos universais, absolutos e contínuos do ser humano, mas como construções garantidas a partir de diferentes maneiras de viver, sentir, pensar, perceber e de estar no mundo, no sentido de desnaturalizar e expressar um direito e uma humanidade como processos de imanência não dados como prontos e acabados e levando em conta as potencialidades de criação e construção. Do mesmo modo ocorre com as concepções possíveis de ser humano.

            As lutas pelos direitos humanos, no Brasil, ganham força somente com os movimentos, como sindicais e organizações apoiadas pela Igreja Católica, que emergiram contra a ditadura militar com práticas que mobilizaram os movimentos tradicionais e politizaram o dia-a-dia nas organizações de trabalho e nas moradias, reinventando novas maneiras de fazer política e produzindo novos caminhos. Vários desses movimentos surgiram como grupos para reivindicar socialmente as práticas de violências presentes no Brasil, bem como das classes minoritárias ou marginalizadas.

            Embora hajam boas intenções quanto à defesa dos direitos humanos, deve-se atentar suas práticas constituem em “socorro à vítimas” e em “assegurar os direitos humanos daqueles sujeitos que sofrem”, estas afirmam-se muitas vezes como mercadoria de consumo que se vende à preços bons no mundo capitalista, onde constituem-se um conjunto de práticas punitivas que buscam maximizar o estado penal e fortalecer o estado de exceção. Batista acrescenta que, quanto mais houver conflito social resultante da devastação do capital, maior deverá ser a sua pena. Neste sentido, questiona-se: De que maneira pode-se diminuir os presídios – que cada vez aumentam mais – em uma sociedade que produz sujeitos vítimas de “armadilhas” criadas pelo próprio sistema vigente?

            Ao longo do tempo, desenvolveu-se uma máquina jurídica da vulnerabilidade, da vitimização, das deficiências, para poder manter o equilíbrio instável do sistema capitalista versus a miséria. Existe a crença comum no policiamento ostensivo, na baixa idade penal, na pena de morte indolor, na prisão perpétua e na tortura como sendo métodos cabíveis de transformar a realidade social. Hoje vivemos com subjetividade em que o fator de preocupação se localiza na segurança privada e clamando por mais leis que deem conta dos efeitos dos problemas sociais. Será que precisamos mesmo crer em uma necessidade urgente de punição das práticas sociais que burlam ou burlaram os direitos humanos, considerando que estas são resultantes do próprio sistema? Ou, deveríamos pensar, talvez, em tratamento social e educativo adequado, ao invés de tratamento? Vale a pena refletir.

 

 

(Resenha elaborada em 2013, UNOCHAPECÓ, São Lourenço do Oeste).