O Cuidado Assistencial com o Outro: um breve estudo de caso

19/06/2013 22:23

               CASO - A família Santos tem seis membros (o senhor Santos, a senhora Maria Silva e os seus quatro filhos, José, Francisco, Madalena e Ana, com 20, 15, 13 e 08 anos de idade, respectivamente). O Sr. Fonseca é operário, recebe um salário de R$ 545,00 ao mês; é tabagista e usa bebida alcoólica com regularidade desde a adolescência, fuma 01 carteira de cigarros ao dia, inclusive em casa junto com os filhos. Dona Maria não trabalha fora, faz atividades domésticas e cuida das crianças. Frequentemente procura a unidade de saúde com queixas diversas, como por exemplo, dor de estômago, cefaleia, alergias e opressão no peito; já fez diversos exames e não foi diagnosticado nenhuma patologia associada aos sintomas, utiliza medicação para “ansiedade”, já foi encaminhada ao CRAS e ainda não foi ao mesmo. Moram num bairro periférico, numa casa de madeira de 04 cômodos, com banheiro externo do tipo “casinha”, usam água do poço; os resíduos domésticos, incluindo as cinzas, são despejados num canto do terreno. Têm 03 cachorros e dois gatos que circulam pelo terreno e dentro de casa.

            Somente o filho mais velho trabalha, os demais vão a escola num turno e ficam em casa com a mãe no outro. A filha Madalena tem síndrome de Down, sendo que os pais acreditam que o problema da menina é retardamento mental e se deve ao fato de a mãe ter tido uma forte gripe durante a gestação.  A filha mais nova (de 08 ano) tem “dificuldade de aprendizagem” está abaixo do peso para sua idade e frequentemente apresenta crises de ansiedade e isolamento. Há 02 dias, o filho José chegou em casa “fora de si” agressivo com os pais e os irmãos, os pais chamaram o resgate social que negou-se a atender o mesmo. A saída foi levar o filho até o hospital regional do Oeste que disse não ter como atender pessoas com alterações comportamentais. José recebeu medicação e voltou para casa com o pai. A mãe está bastante ansiosa e preocupada com o filho: Acha que ele está usando drogas e tem medo que ele agrida os irmãos menores. Esta família é acompanhada pela ESF e CRAS de seu território já há algum tempo, sendo que as condições da mesma são comuns à maioria das famílias do território.

 

 

          Fonseca, o pai, é alcoolista e tabagista, utiliza uma carteira de cigarros ao dia. Maria, a mãe, apresenta diversas queixas, como dor de estômago, cefaleia, alergias e pressão no peito, além de tomar remédio para “ansiedade”. Madalena, uma das filhas, tem Síndrome de Down. Ana, a filha mais nova, tem “dificuldades de aprendizagem”, crises de ansiedade e isolamento e está abaixo do peso. José, o filho mais velho, apresentou um estado de agressividade descontrolada com família. Percebe-se que a maioria dos integrantes desta família apresenta algum tipo de “problema” ou dificuldade, seja momentânea ou inata.

          A mãe diz que sente dor de estômago, cefaleia, alergias e pressão no peito, além de tomar remédio para “ansiedade”, mas mesmo sendo encaminhada ao CRAS demonstra não se importar muito em ir e ser atendida pela equipe de saúde. Considerando que os cachorros e gatos circulam livremente pelo terreno e pela casa, que os familiares utilizam-se de um banheiro externo a casa e feito no estilo “casinha”, que os resíduos domésticos são jogados no terreno e que ainda tomam água de um poço que, embora não explicitado, aparenta-se estar situado no mesmo território do terreno da casa, deve-se, sobretudo, averiguar as condições desta água que estão tomando, se o poço é bem arejado e cuidado e quais são as características presentes na região em que vivem, uma vez que mais famílias desta mesma região estão apresentando condições similares. Se o poço em que a família toma a água localiza-se no terreno da casa ou se caso o poço é comunitário: qual é a qualidade desta água? Será que esses problemas de saúde, como no caso da mãe: dor de estômago, cefaleia, alergias e pressão no peito, não estão relacionados à água do poço em que tomam?

          Qual o tipo de higiene que se tem em casa – não somente com relação à água do poço, mas também a respeito do banheiro externo a casa e, ao que consta, em condições precárias, animais que circulam dentro e fora de casa, terreno utilizado como depósito para resíduos domésticos, como cinza, e residem em uma região da periferia – se, conforme afirmam as descrições do caso, convivem com uma carência em saneamento básico e diminuído bem-estar e qualidade de vida?

          Os autores Santos e Andrade (2008) falam que deveria ser oferecida uma educação sanitária, por parte dos profissionais da área da saúde, aos usuários dos serviços de saúde pública no sentido de obter uma maior responsabilização dos cidadãos para com a sua própria saúde. Segundo Gelinski (2011) a saúde de pessoas que residem em uma comunidade precária implica a articulação de um conjunto de outros serviços e não apenas dos oferecidos pelas unidades de saúde. O que, de fato, se constata é que não existe uma articulação institucional para resolver esses problemas estruturais (p. 106). A autora (2011) afirma que saber que a população tem direito à uma vida digna não significa saber o que o que o Estado tem realizado de concreto e de maneira articulada para solucionar esse problema. Segundo o Ministério de Saúde (BRASIL, 2006),

 

 

O avanço de políticas com uma concepção de Estado mínimo na reconfiguração da máquina estatal, na dinâmica da expansão e da acumulação predatória do capital no mundo, tem produzido efeitos devastadores no que se refere à precarização das relações de trabalho, emprego, e à crescente privatização dos sistemas de seguridade social, alijando grande parte da população da garantia das condições de existência. O impacto desse processo, no que diz respeito às relações intersubjetivas, é igualmente avassalador (BRASIL, 2006).

 

 

          Até que ponto uma instituição de saúde pode ou não deixar de atender um usuário que encontra-se em necessidade ou em caso de urgência de atendimento, tal como no caso de agressão descontrolada?  Conforme o Artigo 196, da Constituição Federal do Brasil de 1988, A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação. Neste caso, os profissionais hipotéticos do hospital do estudo de caso, deveriam atender a demanda espontânea, no sentido de, como fala Ferreira (1975), dar acolhida, admitir, aceitar, dar ouvidos, receber, para que Maria, a mãe na família Santos, também se posicione mais ativamente, com maior compromisso e co-responsabilização a respeito de sua saúde.

          De acordo com Campos (1997), o acolhimento e desenvolvimento do vínculo com os usuários que buscam por atendimento em saúde é um fator fundamental, pois permite regular a acessibilidade dos serviços de saúde através da oferta de ações com maior qualidade para que haja satisfação dos usuários e possibilita, também, o desenvolvimento da autonomia e da cidadania, estimulando os usuários à participação conjunta. Desta maneira, os profissionais de saúde juntamente com a Vigilância Sanitária deveriam prestar serviço comunitário na perspectiva de fazer reconhecimento da região em que a família Santos vive e avaliar as condições existentes, bem como realizar análise da água utilizada na residência para identificar quais as possíveis causas que geram os problemas frequentes de saúde.

           Com isso, Fonseca, o pai na família Santos, e seus filhos Ana, que apresenta “dificuldades de aprendizagem” e crises de ansiedade e isolamento, e Jose, que teve um momento de agressividade descontrolada entre os familiares, deveriam participar de grupos terapêuticos em Centros de Atenção Psicossocial (CAPS), no sentido de acolher esses casos com cuidado e equidade, avaliando os riscos e a vulnerabilidade em que se encontram (BRASIL, 2006), de modo proporcionar uma maior qualidade de vida para essas pessoas a partir de suas próprias necessidades, fragilidades e potencialidades. Contudo, não pode-se ver a família Santos apenas como “lesados”, “coitados” ou indefesos, mas sim como sujeitos ativos no processo, os quais, a partir da participação ativa junto aos profissionais da saúde, constroem uma vida com maior qualidade e condições de saneamento básico, que seja, de fato, promotora de saúde e bem-estar.

 

 

Referências Bibliográficas:

 

CAMPOS, G. W. S. Considerações Sobre a Arte e a Ciência da Mudança: revolução das coisas e reforma das pessoas. O caso da Saúde. In: CECILIO, L. C. O. (Org.). Inventando a Mudança na Sáude. 2ª Ed. São Paulo: Hucitec, 1997, p. 29-87.

CONSTUIÇÃO FEDERAL. Saúde (Artigo 196-200). Brasil: 1988. (Disponível em: < https://conselho.saude.gov.br/14cns/docs/constituicaofederal.pdf>, Acesso em 28 de novembro de 2013).

FERREIRA, A. B. H. Novo Dicionário Aurélio. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1975, p. 27.

GELINSKI, Carmen R. O. G. A Questão da Co-responsabilidade Prevista na Estratégia Saúde da Família. In: Política & Sociedade. Florianópolis: v. 10, outubro, 2011.

BRASIL. Secretária de Atenção à Saúde. In: Ministério de Saúde. 2ª Ed. Brasília: Série B. Textos Básicos de Saúde, 2006.

SANTOS, L.; ANDRADE, L. O. M. de. Rede Interfederativa de Saúde. In: Revista Ciência & Saúde Coletiva. Brasil: Associação Brasileira de Pós-Graduação em Saúde, março, 2008. (Disponível em: <https://www.

abrasco.org.br/cienciaesaudecoletiva/artigos/artigo_int.php?id_artigo=3022>, Acesso em 27 de Novembro de 2013).

 

 

(Análise elaborada em 2013, UNOCHAPECÓ, São Lourenço do Oeste).

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